A propensão para as apostas esportivas é passada de geração em geração?

Publicado em: 23/02/2022 - Última atualização: 24/04/2023 - 18h15

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O interesse da humanidade pelas apostas esportivas é milenar, com registros e vestígios de palpites em brigas de animais e jogos de dominó feitos na China de séculos antes de Cristo. 

Com a popularização dos esportes e posteriormente sua profissionalização, ocorrida a partir de meados do século XX, o mercado de apostas em geral, e esportivas em específico, começou a se consolidar, situação que se ampliou e complexificou muito atualmente, com o advento de novas tecnologias que permitem que os jogos sejam feitos de forma totalmente digital.

Essa situação se repete no Brasil, onde cada vez mais pessoas têm participado dessa cultura, seja por meio de um site de apostas brasileiro ou por alguma das inúmeras plataformas internacionais. 

Mas, juntamente com uma maior difusão das apostas, crescem as preocupações com o uso problemático dessas ferramentas, que, assim como inúmeras outras condutas sociais, podem causar dependência caso sejam feitas sem cuidado ou por pessoas com problemas de sofrimento mental. 

Diante disso algumas pessoas se perguntam: existiria uma propensão biológica para a dependência em apostas? Há algum elemento geracional que possa influir nisso, sendo passado de geração a geração? 

Jogo patológico 

O transtorno das pessoas que desenvolvem dependência por apostas é conhecido como jogo patológico, transtorno do jogo compulsivo ou ludomania, e, assim como a dependência por drogas, alimentos ou sexo, se caracteriza pela perda de controle diante dum comportamento que se torna repetitivo mesmo quando há consequências negativas ou o desejo de parar.

Esse transtorno é similar a outras formas de compulsão ou obsessão, como por exemplo a cleptomania e o alcoolismo. 

Segundo uma estimativa feita pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade de São Paulo, a compulsão por jogos pode atingir até 1% da população brasileira, o que representaria mais de duas milhões de pessoas.

Fatores sociais e psicológicos

Como todos sabemos, isso não significa que a prática de apostar, usar drogas lícitas ou ilícitas, se alimentar ou fazer sexo seja necessariamente problemática: a grande maioria das pessoas que têm esses comportamentos não desenvolve nenhum tipo de problema. Mesmo pessoas que durante algum momento experienciam um uso problemático, em outros podem ter relações não problemáticas com seu antigo objeto de vício.

Este é um indício forte do que demonstra a ciência especializada: a dependência depende também de fatores sociais, políticos e conjunturais. Por isso há uma diferenciação entre as condutas e substâncias utilizadas e o contexto social e individual no qual essas práticas se dão. 

É bastante conhecida a diferenciação feita por especialistas entre o “set”, que é o estado mental individual, e o “setting”, contexto físico e social no qual se desenvolvem as práticas potencialmente compulsivas.

O contexto individual e psicológico de uma pessoa influi decisivamente para o desenvolvimento de algum tipo de dependência, que pode estar associada a quadros mentais como depressão, bipolaridade e ansiedade e também a problemas conjunturais da vida do indivíduo, como luto, desavenças familiares e amorosas, desemprego etc. 

O ambiente social também pode influir decisivamente, ou seja, os contextos e lugares no qual a pessoa vive, trabalha e se diverte. Trabalhadores de determinadas ocupações mais exigentes fisicamente, como cortadores de cana ou motoristas de caminhão, costumam ter maiores índices de uso e uso abusivo de substâncias que os ajudam a encarar as jornadas de trabalho abusivas, por exemplo. 

O mesmo pode ocorrer em relação a contextos de sociabilidade entre amigos ou familiares. Neste sentido, um histórico familiar de alcoolismo ou dependência de outras drogas ou condutas pode influenciar possíveis transtornos mentais de um indivíduo, incluindo os que desenvolvem compulsão por jogos.

Mas não é uma relação de causalidade direta: para que isso ocorresse, teríamos que provar a existência de uma causa genética para a dependência ou então que todos os filhos e filhas de alcoolistas desenvolvem alcoolismo, o que não é verdade. 

Do mesmo modo, famílias ou círculos de amizade ou trabalho que tenham relações saudáveis com drogas e outras condutas possivelmente compulsivas podem gerar efeitos benéficos e pedagógicos sobre indivíduos e grupos sociais, independentemente de suas heranças genéticas. 

Por isso, o que importa é ter atenção aos sinais psicológicos de dependência e aos contextos individuais e sociais nos quais eles podem acontecer – e não buscar fazer testes de DNA para saber se você ou alguém da sua família tem uma propensão genética para se relacionar mal com alguma substância ou conduta. 

Caso de fato seja diagnosticado um transtorno ou uma compulsão, o tratamento pode incluir medicamentos e outros aspectos comuns a outros tratamentos, mas também deverá necessariamente incluir atendimento psicológico e ou psiquiátrico, pois não se trata de meramente agir sobre determinados neurônios ou células, também há um aspecto mental determinante e incontornável. 

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